Chegamos em Araçuaí,
no Vale do Jequitinhonha, vindos de Aimorés. Foram dois dias de viagem, com pernoite em Teófilo Otoni.
Foi tão intenso tudo o que vivemos
ali que me senti completamente inundada. Aí travei. Não sabia por onde começar
a contar. Não queria um texto descritivo explicando os projetos. Não poderia
fazer melhor do que o lindo material promocional do projeto já faz:
"É ali no encontro de cerrado, caatinga e Mata Atlântica, ali onde o rio Araçuaí encontra o Jequitinhonha, que uma constelação de pontos luminosos brilha e ilumina o Vale. Vai lá pra ver. Tem menino que ia ser grão de areia e está virando rocha, tem menina que era pra ser graveto e está virando árvore, tem mulher antes invisível que está se tornando referência. E homem que precisava ir pra longe, porque não tinha trabalho, mas agora pode ser pai, marido e cidadão no seu próprio lugar. Tem que ver pra crer. Ver a força do dizer 'cê pode', 'cê é capaz', transformando gente comum em ponto luminoso que, quando pertinho um do outro, pode trocar fazeres e sorrisos, abraços e saberes, quereres e poderes. Só assim se pode sonhar numa cidade para todos e para sempre.
Um dia, há dez anos, essa gente acreditou que podia. Disseram 'nós pode' e se uniram em nós. E nós, quando juntos e com um tiquinho de esperança, viram laço. Laço forte e bem atado. Nascia o projeto Araçuaí Sustentável que agora virou Arasempre, cujos nós permanecem enlaçados para construir o presente e o futuro."
Resolvi então contar a partir da
nossa interação com as pessoas, lugares e projetos:
Na 2a feira chegamos perto das 9h no projeto Ser Criança, que está há 18 anos em uma área cedida pelo Colégio Nazareh, instituição particular de ensino de Araçuaí.
Chegando no Colégio Nazareh
Fomos recebidos por crianças e educadores.
Nessa foto as educadoras Cléia e Jane. Ambas estão há anos no projeto. Cléia começou como menina no Ser Criança, participou do talentoso Coral Meninos de Araçuaí e foi ficando, com seu sorriso cativante, cativando novos meninos e meninas
Parte do grande salão onde a maioria das atividades acontecem
A imponência do colégio Nazareh mexeu com
Miguel, afinal, estávamos diante de uma instituição.
Foi curioso ver o menino que chega em qualquer ambiente e vai logo se apresentando, puxando assunto, perguntando o nome das outras crianças, grudar na minha saia, ficar ali quietinho, juntinho de nós.
Espiando de longe o lanche da manhã
Crias grudadinhas no pai na hora da roda, acompanhados por nossa nova amiga Jennifer, que nos ciceroneou todos os dias.
Mal chegamos e as crianças já começaram um movimento de aproximação com todos nós: Jennifer, Jéssica, Luiz, Mariana, Rodrigo Jr., Tauane...
Senti muita doçura nessas crianças, muita abertura, muito carinho com meus filhos e conosco.
Jéssica pediu-me pra tirar uma foto dela
Depois quis tirar uma minha
O que vibra ali é a pedagogia da
roda. De manhã e à tarde a roda é a primeira atividade depois das refeições.
Cantamos, dançamos, brincamos, conversamos. As questões e os conflitos aparecem
ali. A roda é o mundo, é onde as coisas acontecem. E a roda se mantém em outros momentos e em todos
os outros projetos da plataforma Arasempre, que vão surgindo graças à demanda dessa gente determinada e
entusiasmada. As rodas em seus vários momentos:
Um pouco do movimento da roda num momento de música e brincadeira:
No segundo dia, Miguel já correu na frente na hora da chegada, ansioso para entrar no projeto:
Miguel entrando no projeto Ser Criança
Soltou-se mais. Brincou com várias crianças, desinibiu-se nas refeições, e assim foi durante os dias em que brincamos por lá:
Solto na roda
No meio da roda com a irmã
Brincando com um amigo
Abraçado com Rodrigo Jr.
Numa roda de música
Brincando sob a árvore
Regando as plantas com os outros meninos
Enturmado na hora do almoço
brincando brincando e brincando
Jogando bola
Divertindo-se com Iuri, menino que virou mestre e continua menino
Já super enturmado na refeição
Brincando no salão
Lolo foi a atração de meninas e meninos:
Com as meninas
Entrando no som
Divertindo-se com Jennifer e Cléia
Espiando na sala
Enturmada na roda
Brincando com o papai
Empurrando banquinho
Com os meninos
No salão
Mas quem se divertiu mesmo foi Tiago:
Cercado na roda
Tocando instrumento
Recebendo tranças da Fátima na barba
Pulando amarelinha
Jogando dama
Papeando
Recebendo o carinho de Tainá
Brincando no salão
Mais dama
Lendo pra garotada
O projeto Ser Criança adotou uma rua há cerca de três anos. Ali plantaram árvores, fizeram hortas em alguns quintais, pintaram paredes com tintas de areia. Esses quintais acolhem as crianças. O que visitamos, na casa da Luísa, é referência de leitura:
Caminhando com Félix pela rua adotada. Na frente vai Ana Paula, coordenadora de brilho nos olhos e muita visão
Quintal maravilha
Iuri lendo pra galera
Horta em mandala
Papeando
Pensando na vida
A roda ao fundo
Paredes pintadas com tinta de areia: técnica local apropriada pela Dedo de Gente
Que lindas as músicas cantadas nas rodas do Ser Criança. São músicas da cultura popular, músicas populares brasileiras, músicas regionais. São músicas que mexem com agente. E quando interpretadas pelas meninas e meninos do Coral, tiram lágrimas. Pelo menos as minhas
No último dia recebemos presentes das crianças e educadoras. Eu recebi uma carta linda da Rose, uma garota mais linda ainda, de 11 anos, cujo talento me arrebatou ao vê-la se apresentar na roda com outras meninas do Coral. Aliás, recebemos, como homenagem, uma apresentação preparada pelas meninas especialmente pra nossa família. Foi tudo muito especial e emocionante.
Observados por Eloá
O primeiro projeto do CPCD - Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, foi o Ser Criança. E ser criança é tão potente, que as crianças terminavam seu tempo no projeto querendo mais. Daí a surgirem as fabriquetas foi um passo... um atrás do outro: primeiro a Dedo de Gente, com as fabriquetas de marcenaria e serralheria. Móveis e utensílios lindos, tanto para a venda quanto para "consumo interno", para os outros projetos. Encontramos esculturas e móveis no Ser Criança, no Sítio Maravilha e por Araçuaí afora:
Chegando na Dedo de Gente onde fomos recebidos por Edilúcia que está no projeto quase desde o início.
Dedo de Gente
Esculturas em ferro
Meninos do projeto: cooperados e bolsistas
Estética da Dedo de Gente no Ser Criança
Móveis da Dedo de Gente no Sítio Maravilha
Fomos conhecer a galera da Fabriqueta de Cinema. Sua história dá orgulho de contar: Os meninos do Coral Meninos de Araçuaí ganharam 40 mil
reais com a venda de seus CDs. Mobilizaram toda a comunidade para definir o que
fazer com o dinheiro e entre os sonhos, o mais sonhado era de ter um cine
teatro. O dinheiro deu só pro início do projeto, mas com parcerias hoje há um
cinema com capacidade para 100 lugares e uma galera animada cuidando do lá.
Cine teatro Meninos de Araçuaí: único da região
É a fabriqueta de cinema que produz os vídeos contanto a história dos outros projetos e do que anda rolando por Araçuaí. Agora eles têm um programa na TV local todas as quartas feiras e andam dando o que falar!
Educadoras, cooperados e bolsistas: muitos vêm do Ser Criança, inclusive a Pel, que foi bolsista, cooperada e hoje é educadora
Depois veio a fabriqueta de software. Fomos conversar com uma turma antenada, que pratica a pedagogia da roda, que aprendeu e continua aprendendo na raça. Ali também estão os artistas gráficos que fazem o incrível material promocional dos projetos. Jovens entusiasmados, que valorizam a cultura local sem perder o foco do que tá rolando em nível global. Foi inspirador ver o que eles andam aprontando!
Galerinha do software: valorizando e alimentando os projetos do Arasempre
Dentro do Arasempre há muito de
permacultura. Fomos conhecer o Sítio Maravilha que é referência de permacultura na região. O espaço vem sendo cultivado há
cerca de 14 anos por seu Celso. Ali planta-se as verduras e
legumes que sustentam a refeição semanal das 160 crianças do Ser Criança, seus
educadores, além dos visitantes.
Chegando no Sítio Maravilha
Seu Celso nos contando sua história e a do Sítio: "Aqui todo dia tem aula. A escola é a vida."
Hortas em mandala da zona 1: alimento para as crianças do Ser Criança
O Rio Jequitinhonha fica ao fundo
do sítio de 12 hectares e onde era areião agora é uma área cheia de árvores
plantadas pelos participantes do projeto. Há pomares e bichos de criação. Não
há nascente mas um pequeno braço do Jequitinhonha que está hoje protegido pela
vegetação.
Miguel olhando um ninho de passarinho: muitos animais voltaram depois do cultivo da agrofloresta
Lolo na Zona 2: abacaxis e árvores frutíferas
Zona 4: antigo areião agora cheio de árvores, preservando um braço do Jequitinhonha
"selfie" com Rio Jequitinhonha ao fundo: limite do Sítio Maravilha
Há um banco de sementes para serem usadas e doadas à população, que depois devolve o que utilizou na próxima colheita.
Banco de semente com telhado verde
Sementes
Muitas e lindas sementes
Através
dos projetos de permacultura várias comunidades rurais têm sido mobilizadas. O Sítio Maravilha está cultivando milhares de mudas para serem plantadas em 25 nascentes
da chapada do Lagoão, junto com a comunidade e com as crianças do Ser Criança.
Cerca de 10 mil mudas já foram plantadas e outras 15 mil serão em breve.
Estufa de mudas
Onde antes era aspereza hoje há um lago, árvores e espaço pra relaxar. Miguel mirando a zona 5, que aguarda novos projetos
Almoçamos no Sítio Maravilha
Bananas de sobremesa antes de partirrmos
Na área rural há outros Quintais Maravilha, com banheiro seco, horta, pomar, agrofloresta, criação. Um oásis na secura da
região. Esses produtores vêm pra cidade vender seus produtos às 6as feiras. É a
feira maravilha.
Chegando na feira maravilha
Fomos conhecer um desses quintais,
o da Lourdes e do Antônio. A Regina, educadora do projeto, que nos levou e provamos de mais um poquim da hospitalidade mineira.
Chegando no quintal maravilha da Lourdes e do Antônio. Oásis cercado de secura.
Tudo verdinho: horta em mandala, parreira e agrofloresta no fundo
Uvas ainda verdes
Hospitalidade mineira e móveis da Dedo de Gente
Lourdes, Antônio e nós
Um dos frutos colhidos é que homens que antes saiam para cortar cana em São Paulo por longos períodos, hoje perceberam que o quintal maravilha, além de fonte de renda, permite que eles fiquem mais tempo com a família e em sua terra de origem.
Conhecemos a Flor e Cultura, de
Joasina. Ali fomos recebidos por Bellah e ficamos sabendo do trabalho de Joá de
resgate e valorização dos artistas e da história local.
Esse resgate e valorização estão entre os objetivos dos projetos do Arasempre.
Na Flor e Cultura
Visitamos a artista e ceramista
Lira Marques, responsável também por difundir a tecnologia da tinta de areia
para a galera dos projetos do Arasempre. Com sua simpatia nos contou sua história, de como se manteve conectada à sua essência artística vendo sua mãe trabalhar com barro. Depois aprendeu com uma vizinha a arte de usar o forno para queimá-lo. Foi aprendiz e autodidata. Já adulta passou a usar areia, água e cola em sua obra. São as tintas de terra, tecnologia que retransmite às fabriquetas da Dedo de Gente.
Chegando na casa de Lira Marques
Ouvimos atentos às suas histórias
Pintura com tinta de terra
Tiago, Lira Marques e algumas de suas peças
A cada dia achávamos a cidade de
Araçuaí mais bonita. Tentei tirar algumas fotos com meu celular que não fazem
jus à sua beleza.
Um por do sol em Araçuaí
As flores nascem entre a rua e a calçada
Pousada Araras: fomos tratados com o carinho que merecemos
As árvores ficam na rua
Outro por do sol em Araçuaí
Na véspera de nossa partida, Lolo caiu da cadeira e quebrou o bracinho. Fomos super bem atendidos no hospital público. Ali também se vai de jegue.
Estacionamento em frente ao hospital
Engessando o braço da nossa bebéia
Em Araçuaí está tudo interligado. Um projeto alimentando o outro. É tanta coisa pra ver, tanto pra aprender, tanto pra trocar.
Os meninos do Dedo de Gente fazem os móveis e objetos para os demais projetos. O software faz o site e o material promocional. A fabriqueta de cinema conta a história de Araçuaí e do que a galera dos projetos anda aprontando. O Sítio Maravilha fornece produtos alimentícios para o Ser Criança. O Ser Criança faz a matéria prima, ou seja, “alimenta” essas crianças para sonharem e criarem outros projetos a partir de seus sonhos.
Foram dias lindos e inspiradores
que passamos ali, rodeados de pessoas alegres, tranquilas, generosas, cheias de energia e
entusiasmo. Gente sabida. Aquele jeitinho mineiro, de sorriso nos lábios e
brilho nos olhos. Simpatia e simplicidade. E tanta sabedoria. Tanta
inteligência. Tanta ideia, sonho, rumo, caminho, invento, criatividade.
E assim vão, com seu jeitinho, subvertendo, revolucionando, transformando tudo e
todos. Longa vida para Araçuaí e para o Arasempre!
Adorei meu amor, adorei!
ResponderExcluirEmocionante, inspirador e promotor de esperança! Gratidão!
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