domingo, 19 de abril de 2020

Paz





O mundo está um caos. Daqui avisto uma bateção de cabeças. O vírus apenas exacerbou o que já estava latente. Não sabemos qual a saída, se há uma saída e se teremos ouvidos para ouvir e olhos pra ver o outro, pra chegarmos em caminhos comuns que preservem autonomia, liberdade, mas também permitam o abrir mão, o perder, o parar, o deixar de fazer.

Embora haja tanto barulho, aqui encontro paz. Uma paz longa, nunca antes experimentada. Como se eu tivesse alcançado um patamar. Uma planície alta. E apesar de alguns altos e baixos, desse patamar não saio mais. É prazeroso. É uma alegria acessível em tempo real, basta me dar conta de onde estou, do momento, do que estou vivendo. Me dar conta de um não tempo. De que sou eu quem crio (na verdade, sempre criei) minha agenda insana, cheia de compromissos talvez desnecessários. E de que posso transformar meu tempo. De que a agenda está vazia, os dias estão vazios, e sou eu quem os preencho, ou não. Eu tenho essa escolha. E sempre tive, na real, só não percebia.

Essa paz, porém, não vem sem culpa, sem uma sensação de que deve haver algo errado: estar assim, entregue a essa paz, com o caos reinante lá fora, ou logo ali adiante?

Devo reconhecer, contudo, que construí essa realidade. Que a busquei. Que me transformei. Que trabalhei muito pra chegar aqui. Me olhei muito. Me observei muito. Mudei muito. E hoje, mesmo quando há um caos aqui dentro (e há caos aqui dentro também), quando a casa está caótica, a rotina perdida, o planejamento descartado, ainda assim acesso esse lugar de paz.

Essa paz vem também de um aprendizado sobre a aceitação. Aceitar. Aceito. Cada vez mais aceito o que vivo. Aceito o outro. Aceito a mim mesma. Aceito o que se me apresenta. Aceito que muitas vezes não tenho espaço pra aceitar.

Aceitar tem sido curador. Não é que não haja conflito, mas ele é mais sutil, tem camadas mais profundas que vão se revelando.

Aceitar tem sido um grande convite pra viver bem. E ainda assim, quando escrevo, temo soar leviana, alienada, pouco conectada ao caos externo. Talvez sim. Faltam-me ferramentas pra empreender esse julgamento sobre mim mesma.

O que fica é essa paz. Agora amiga de uma pequena angústia que de fato chega. Mas segue a paz liderando os meus dias nesse momento. Sou grata e me questiono como devolver ao entorno, próximo e distante, o tanto que recebo.