O mundo está um
caos. Daqui avisto uma bateção de cabeças. O vírus apenas
exacerbou o que já estava latente. Não sabemos qual a saída, se há
uma saída e se teremos ouvidos para ouvir e olhos pra ver o outro,
pra chegarmos em caminhos comuns que preservem autonomia, liberdade,
mas também permitam o abrir mão, o perder, o parar, o deixar de
fazer.
Embora haja tanto
barulho, aqui encontro paz. Uma paz longa, nunca antes experimentada.
Como se eu tivesse alcançado um patamar. Uma planície alta. E
apesar de alguns altos e baixos, desse patamar não saio mais. É
prazeroso. É uma alegria acessível em tempo real, basta me dar
conta de onde estou, do momento, do que estou vivendo. Me dar conta
de um não tempo. De que sou eu quem crio (na verdade, sempre criei)
minha agenda insana, cheia de compromissos talvez desnecessários. E
de que posso transformar meu tempo. De que a agenda está vazia, os
dias estão vazios, e sou eu quem os preencho, ou não. Eu tenho essa
escolha. E sempre tive, na real, só não percebia.
Essa paz, porém,
não vem sem culpa, sem uma sensação de que deve haver algo errado:
estar assim, entregue a essa paz, com o caos reinante lá fora, ou
logo ali adiante?
Devo reconhecer,
contudo, que construí essa realidade. Que a busquei. Que me
transformei. Que trabalhei muito pra chegar aqui. Me olhei muito. Me
observei muito. Mudei muito. E hoje, mesmo quando há um caos aqui
dentro (e há caos aqui dentro também), quando a casa está caótica,
a rotina perdida, o planejamento descartado, ainda assim acesso esse
lugar de paz.
Essa paz vem também
de um aprendizado sobre a aceitação. Aceitar. Aceito. Cada vez mais
aceito o que vivo. Aceito o outro. Aceito a mim mesma. Aceito o que
se me apresenta. Aceito que muitas vezes não tenho espaço pra
aceitar.
Aceitar tem sido
curador. Não é que não haja conflito, mas ele é mais sutil, tem
camadas mais profundas que vão se revelando.
Aceitar tem sido um
grande convite pra viver bem. E ainda assim, quando escrevo, temo
soar leviana, alienada, pouco conectada ao caos externo. Talvez sim.
Faltam-me ferramentas pra empreender esse julgamento sobre mim mesma.
O que fica é essa
paz. Agora amiga de uma pequena angústia que de fato chega. Mas
segue a paz liderando os meus dias nesse momento. Sou grata e me
questiono como devolver ao entorno, próximo e distante, o tanto que
recebo.