terça-feira, 26 de abril de 2016

Leveza


Eu queria muito escrever um texto sobre as maravilhas dessa viagem, da região em que estamos, do que estamos vivendo. Pensei até num título: “nem tudo são dores”, já que meus dois últimos posts foram um lamento só. Mas não consigo!

Gente, alguém me salva de mim. Busquei muito esse momento de estar num, digamos, vazio, sem compromissos, obrigações, agenda. Queria só estar, curtir a praia, a família, os amigos novos e antigos. A única questão é que EU vim junto na viagem!!!

Tenho tido contato direto com meus humores, em especial os maus. Com minha insatisfação, meu jeito crítico e autocrítico, minhas culpas. To tão perto de mim!

Outro dia fui fazer uma massagem divina. Era a 5ª sessão e no meio dessas a massoterapeuta já havia cancelado alguns dos encontros por pelo menos 5 vezes. Todos motivos justificáveis. Mas 5 vezes! Eu fui super empática em todas. Aprendi a ser, a não bater depois perguntar, a me colocar no lugar do outro. Mas o curioso é que na nossa última conversa ela me revelou que me acha brava. Brava!? Tá, eu sou brava, mas achei que estava disfarçando bem. Só que não, essa energia brava tá em mim, vibrando, me revelando pras outras pessoas.

Também confirmei minha dificuldade de relaxar, de deixar fluir, de não cobrar. Hoje, depois de 40 dias na praia, consegui ir pro mar sozinha e sem culpa, relaxar um pouco.

Apesar dessas constatações, to contente. Saquei minha falta de leveza e isso me deixou tão mais leve, tão mais tranquila. To aqui escrevendo tendo o céu, o mar, os coqueiros, o vento na minha frente. E com tempo pra fazer isso. Tudo tão gostoso.

Então pude entender que esse primeiro momento da viagem foi pra isso, pra chegar no fundo do meu poço (espero ter chegado). Agora posso iniciar a curva ascendente já que me descasquei pra mim mesma, me vi cruamente.


Quero ser uma boa companhia, quero que o agora valha a pena, quero não deixar para meus filhos a lembrança de uma mãe mau humorada, amargurada, insatisfeita. Por isso preciso olhar pra essa mulher, buscar de onde vem isso e assim dar um longo passo em direção à leveza. Lá vou eu!

sábado, 16 de abril de 2016

Deixá-los ser


Desde que nossa viagem começou as tensões com Miguel são crescentes. Xingamentos crescentes. Agressões físicas crescentes. Negativas crescentes. Como consequência: meu distanciamento tem sido crescente, minha raiva, minha falta de paciência, minha falta de amor.

Entramos num ciclo vicioso que sei que já vivi, só que na posição em que Miguel está agora. A criança desafiando a mãe, e a mãe desamando, se afastando, aumentando o fosso, a dor da criança, que reage com mais desafios. Tudo que eu não queria.

Venho me preparando muito nessa maternagem, estudando, vivenciando, trocando. Mas nada disso é suficiente quando nos falta recursos internos pra lidar com a nossa própria dor, tocada pela dor do nosso filho.

Ao chegar em Serra Grande para um período de um mês e meio nosso filho alcançou o ápice da revolta, e nós, da falta de amor, empatia, compreensão. Como chegamos nessa situação meu deus?!

Ora, Miguel é espelho/esponja. Absorve e nos devolve aquilo que estamos sentindo e vivendo. Alcançamos tal grau de agressividade recíproca que me vi gritando com meu filho a ponto dele chorar, e dando-lhe um empurrão em uma disputa. Como posso pedir ao meu filho que não me bata, não me xingue, não me agrida?

Parei tudo. Busquei florais pra ele e pra mim. Falei com amigas queridas, novas e antigas. Dividi angustias com meu companheiro.
Os florais adiantaram para Miguel nos primeiros dias, mas a dor dele é tamanha que não bastam gotinhas. Eu precisava mudar.

O que percebo é o quanto de “nãos” lhe dizemos todo o tempo. O quanto o reprimimos. Quantas coisas ele não pode fazer, ou não pode fazer do seu jeito. Somos seus censores e estamos TODO O TEMPO lhe dizendo o quanto ele é inadequado, o quanto não está agindo direito, o quanto o que faz é errado. Certo e errado novamente. A escola em nós.

Me reconheço como alguém super cerimonioso. Estou todo o tempo não querendo atrapalhar, buscando não desagradar, não abusar. Deixo de aceitar comida, por exemplo, pra não atrapalhar. Fico preocupada de meu filho estar atrapalhando, sendo abusado, folgado, inadequado. E o tolho o tempo todo, da mesma forma que me tolho.

Isso chama-se falta de confiança. Sei que devo confiar nele, deixa-lo ser. Mas não confio. E assim passo a mensagem de que ele também não deve confiar em si, mas no julgamento do outro, de fora.

Observando minha amiga Cynthia pude aprender tanto sobre esse tema. Sua filha, Amanda, de quase três anos, estava em cima de uma cadeira, com uma xícara de louça na mão. Cynthia não disse nada, sequer “cuidado”. E Amanda seguia ali, tranquila, confiante em si mesma e na vida. Eu já teria dito cuidado várias vezes e muitas outras recomendações mais. E o que Miguel me devolve, mais desafios pra que eu possa ficar o tempo inteiro vigiando-o, julgando-o, não o deixando ser.

Não sou a mediadora de suas relações. Claro que devo sim me posicionar quando ele fizer algo que mereça esse posicionamento. Mas quais são esses momentos? Quantas vezes o outro com quem ele se relaciona pode e colocará seus limites. É assim que ele aprenderá a se relacionar, não através de meu filtro, já tão enviesado.

Fomos amassar o barro para as paredes de uma casa que está sendo construída em mutirão. Assim que chegamos encontramos aquele barro gostoso, argiloso, espalhado pelo chão, sendo pisado. Uma das filhas da Cynthia, bem maior que Miguel, pegou um pedaço pra brincar. Ele também fez isso. Meu ímpeto foi censurá-lo, dizer que não podia, ou que perguntasse se podia. Me refreei pelo exemplo de Cynthia e sua filha.

Minutos depois meu marido estava fazendo exatamente o que eu tinha conseguido me segurar pra não fazer. Eu, imediatamente, chamei-o antes que terminasse a frase e o refreei. Era uma escolha. Deixá-lo ser ou deixar Miguel ser. Que desafio! Ele, claro, não gostou.

E eu entendi que não basta deixar Miguel ser. Preciso deixar meu marido ser. Crescemos todos inadequados, reprimidos, mal-amados, carentes. Se estou lutando pra fazer diferente com meu filho, devo fazer diferente também com meu companheiro de vida. Preciso parar de dar pitaco na sua relação com meus filhos e deixa-lo livre pra encarar e solucionar seus próprios desafios.

Também tenho estado mais presente com Miguel. Desde que Eloísa nasceu ele virou responsabilidade do pai, não tenho tempo pra ele. E isso tem sido fatal pra nossa relação e pra espiral de agressividade em que ele se encontra.

Temos dado tempo pra nós. Pra pegar jacaré, pra andar até o rio, pra ir num espaço de recreação juntos, só eu e ele. Também pude me (re)lembrar da criança que fui, de estar nesse lugar de ciúme, insegurança, abandono até. Da minha revolta. E do quanto isso não foi acolhido. Muito ao contrário, só aumentou a espiral de revolta e dor até chegar à idade adulta, passando por uma adolescência sofrida da qual não tenho saudades.

Hoje pude ser mais amorosa mesmo em resposta às agressões. Dizer muitas vezes que o amo, o quero, é meu filho amado. De beijá-lo logo depois de pedir pra não bater na irmã, não me xingar.

Mas isso foi hoje. Sei que posso voltar ao lugar reativo e de desamor em que estava há pouco. O grande desafio é deixa-lo ser e amá-lo como ele é. Seguimos.

Just Paradise?

Iniciamos uma viagem de quatro meses em família. Vamos viver cerca de três meses em comunidades no sul da Bahia e depois seguimos pra Alto Paraíso. Saímos com um dia de atraso em razão da dificuldade de organizar as coisas e guardar o que ficaria, liberando nossa casa pra uma outra família durante esse período.

Tiramos a primeira semana para, devagar, subir para o nordeste brasileiro. Ficamos dois dias em Milho Verde, Minas Gerais, e dois dias em Diamantina, na casa de amigos. Nos demais viajamos e dormimos em cidades pelo caminho.

A viagem foi nada menos do que uma amostra do que somos. Havia essa ânsia de chegar, o que contribui para uma certa alienação, distância do que somos, do presente. Há um porvir, algo a esperar por, um lugar para ancorar.

Então chegamos. Numa casa linda, relativamente pequena, com um jardim grande cheio de coqueiros cheios de coco. E o mar. O mar ali em frente, azul, quente, raso. A areia macia. A maresia. A brisa constante. Tudo perfeito. Só que não.

Angustia. Insatisfação. Mal humor. Tudo isso passados os primeiros momentos iniciais de prazer, contentamento, alegria. Por que?

Medo. Insegurança. Um não saber o que fazer. Só no terceiro dia eu e Tiago conseguimos ir à praia juntos. Até então nos revezávamos porque eu tinha pressa de guardar as coisas, tirar as roupas das malas, me instalar. E isso tinha que ser feito rápido, perfeito.

Também havia a pressa de organizar a casa, entende-la. Organizar a rotina, cria-la. E um tédio nos momentos muito quentes em que não dá pra ir pro mar. Como lidar com esse vazio tão buscado?

E cozinhar. E comprar a comida. E saber onde ficam as coisas nesse novo lugar. Enfim, de novo num lugar de ansiedade, de estar fora do presente, de muitas expectativas, de dificuldade de apenas estar, curtir, não fazer nada, não se cobrar, não cobrar o outro, não esperar.

Depois de alguns sinais, um torcicolo que me travou o dia todo. Nada que eu possa fazer a não ser esperar, ser cuidada, cuidar de mim, aceitar que não consigo controlar tudo, dar conta de tudo, atingir a perfeição ilusória que me impus.

Há aqui um condomínio de alemães chamado “Just Paradise”. Aqui é só um lugar. Não há paraíso. Há um estar conectado, presente, sem expectativas e ilusões. Esses sentimentos, humores e tensões físicas estão aí pra me lembrar de como é difícil apenas ser.