segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

O Z de “coisas” é o S ou o Z?


Lolo já sabe ler. No dia 5 de outubro de 2021, brincando de mímica, ela leu a palavra UR-SO. Daí pra ler LE-ÃO, GA-LO e CO-E-LHO foi um pulo. 

Que alegria! Mas nada surpreendente, pois foi assim também com Miguel.

O mais curioso é que os dois leram suas primeiras palavras exatamente com a mesma idade, apenas um dia de diferença: Miguel aos 6 anos, 7 meses e 9 dias. Lolo aos 6 anos, 7 meses e 8 dias.


Depois desse dia Lolo desencanou, “esqueceu” da leitura. Passou algum tempo até que ela retomasse o interesse. E aí esse desejo de ler foi crescendo como uma bola de neve, pois aqueles símbolos que ela antes via, agora faziam sentido e ela queria saber qual era. Partia dela a vontade de descobrir. 


Pra além das palavras em placas de rua, ela começou a ler os gibis espalhados pela casa, e depois os livros mais simples, num afinco admirável. 



Claro que se há outras crianças pra brincar, ou é hora do filminho, ou uma brincadeira interessante está rolando, ela se envolve no que está vivo ali na hora. Mas nos momentos de “tédio”, é pra leitura que ela corre, lendo cada vez mais, com mais fluidez, cada vez parando menos pra compreender o que acabou de ler: primeiro eram palavras separadas, depois frases. 

É tão empolgante ver como eles aprendem se a gente não atrapalhar. E tudo começou por curiosidade própria, perguntando sobre as letras pois queria escrever palavras. 


Muitas vezes, na mesma palavra, ela perguntava novamente “qual é mesmo o R?”. Eu tinha acabado de descrever. Mas e daí? Eu descrevia de novo como se fosse a primeira vez que ela tivesse perguntado, com toda atenção e paciência que sua curiosidade merece. 


E foi assim por meses, até que ela foi decorando cada letra pra então poder descobrir as palavras que elas formavam.


E agora essa dedicação retornou pra escrita, que foi por onde começou. Não pra escrever porque quer aprender a escrever. Mas porque tem algo a dizer, porque escrever é necessário pra algo genuíno que ela quer expressar. 


Queria se despedir do amigo que ia voltar pra Argentina e eu, como lá no início, fui ajudando conforme ela me perguntava. Mas agora era diferente, pois ela já conhecia as letras, já sabia seus sons e muitas vezes “adivinhava” a ortografia do que queria escrever. Está num outro patamar de compreensão e aprendizagem.



Miguel também, algum tempo depois de começar a ler, quis escrever, e escreveu mais de um livro com histórias de heróis e batalhas que habitam seu universo imaginário.


Nesse processo de auto aprendizagem, aprendemos todos. 


Pude me atentar para o fato de como o escrever é tão diferente do falar e o quanto isso pode gerar confusão. Daí que não há regras a serem decoradas, é preciso ler pra escrever bem. E é isso que seguimos fazendo: “Mãe, põe o dedo onde vc tá lendo” ela me pede a todo momento.


Digo que não bastam regras pois o S tem som de Z na maioria das vezes: “Mãe, o Z de “coisas” é com S ou com Z?".


Falamos muitas palavras terminadas em E com o som de I. Ou terminadas em O com o som de U. O C, o Q, o G, o J são outras letras que dão muita confusão. Ainda tem o Ç, os SS, o SC… Então ela segue perguntando. E eu, respondendo. Se tento explicar: “É que a maioria das palavras que terminam com esse som são com M e não N no final”, ela nem quer ouvir, quer apenas que eu diga qual a letra certa. 


Também ficou claro que só há aprendizagem se há um interesse genuíno, se aquilo faz sentido pra algo prático que queremos vivenciar. E se faz, a criança não medirá esforços pra conquistar aquela habilidade. É o que Jonh Holt fala nos seus livros, que sempre me inspiraram muito. 


Lembro, por exemplo, que mesmo sabendo ler, Miguel preferia que eu lesse pra ele quando o livro era mais complexo. Aliás, ainda hoje leio pra ele. Mas quando começamos a ler a série de livros do Harry Potter, ele não teve paciência de esperar que eu lesse um capítulo por noite e, aos 9 anos, leu a coleção toda sozinho!


Fico sempre muito confiante no potencial deles de compreenderem o que quiserem. E eles, imagino, seguem na autoconfiança da sua capacidade de aprendizado.