segunda-feira, 23 de junho de 2014

Mudanças

Todos passamos por mudanças. Quero falar das mudanças profissionais que vivi. Escolhi a faculdade de direito para adiar a escolha da profissão, pois ela me abria muitas portas no futuro. Na faculdade não tinha ideia do que queria fazer e me admirava com as certezas e objetivos de muitos colegas. Fui parar em um escritório de advocacia de médio porte mas com grandes pretensões.

Estava no 4o ano de faculdade, cheia de energia, tempo e disponibilidade. Me destaquei, me entreguei, me alienei ali. Apesar de militar no movimento estudantil, não tinha discernimento para perceber onde havia me metido, a quem servia dentro da advocacia empresarial. Só conseguia ver meus êxitos profissionais, aumento de poder, independência financeira. Mas isso nada tinha a ver com minha essência. Era mais uma agressão e uma negação. Tive labirintite crônica e, por fim, depressão. Algo em mim pulsava, batia, queria explodir. Então bolei um plano e saí dali após sete anos de dedicação e o convite para me tornar sócia. Mas para onde ir?

Bati a cabeça, abri meu escritório, que nada mais era do que repetir um modelo no qual eu não acreditava. Mas eu não sabia. Meu objetivo era me sustentar, ganhar dinheiro, estar no mercado, me destacar profissionalmente. Que sabia eu do mundo? Que sabia eu de mim? E essa sociedade também naufragou.

Fui trabalhar em uma ONG de defesa do consumidor e dar aulas. Estava mais próxima de mim, de satisfazer outras necessidades como fazer o bem, trabalhar em algo em que acreditava, trocar com pessoas que lutavam por um mundo melhor, mais justo. Pude ver e atuar a partir de um outro paradigma, muito diferente daquele em que estava inserida até então. Mas aqui também havia muito trabalho e muita alienação, muito tempo dedicado a coisas pouco prazerosas, aborrecidas até. Então busquei uma fuga num mestrado fora do Brasil.

Fui estudar outra área - política social e desenvolvimento -, aperfeiçoar o inglês, mudar de realidade. Mais um novo mundo se abria. Saí da “caixinha” do direito, deixei de ver o mundo a partir dele. Voltei para trabalhar em outra ONG, com políticas públicas, advocacy, defender a saúde, firmar parcerias com pessoas e instituições que também queriam mudar o mundo, o sistema. Brigar por grandes ideais, ouvir novas ideias, formar redes, repensar o planeta, o Brasil, a minha casa, a minha vida. Trabalhar com pessoas incríveis a partir de um paradigma oposto ao do primeiro emprego: de confiança no outro, de responsabilidade, de colaboração, de cuidado, de companheirismo, de amizade.

Mas ainda havia uma insatisfação, uma pedra incomodando no sapato, um certo desprazer em algum ponto. E foi aí que me chegou a maternidade. E com ela outros contatos, outros saberes, outras vivências, outras pessoas.

E como contei em outro post, não podia mais lutar contra o mundo, contra as injustiças, contra os poderes instituídos, contra as forças políticas e econômicas. Não acreditava mais na mudança externa. Era dentro de mim que a mudança fazia sentido. Era eu que precisava mudar. E era na relação com meu filho, em cuidá-lo, amá-lo, me dedicar a ele, era aí que estava a grande revolução. A mudança real do mundo.

Deixei de acreditar na mudança do sistema a partir do próprio sistema, de suas armas e seus instrumentos. Acredito na minha mudança, é sobre ela que posso agir. A partir daí muda-se o mundo, mas é a partir daí. Essa opção me deixa muita mais próxima da minha essência, essência essa que tive que dar a “volta ao mundo” para encontrar, que ainda estou descobrindo, que me custará a vida para alcançar, mas que agora está palpável como um objetivo a ser atingido.


A maternidade me trouxe essa dimensão do autoconhecimento e são muitos os caminhos que têm se aberto pra mim. E é maravilhoso estar viva e poder desfrutar dessa revolução que tenho produzido. É só o começo do caminho.

sábado, 14 de junho de 2014

(Re)Aprendendo o tempo todo


Às vezes chegamos a um lugar em que nos sentimos seguras, donas da situação: sei lidar com meu filho, sei como ele age e reage, sei o que fazer e o que não fazer. E o retorno parece certeiro, principalmente aos olhos de outras pessoas que comentam como ele é tranquilo, “bonzinho”, fácil de lidar. É aí que mora o perigo. Sim, pois é muito fácil, a partir daí, “ligar o automático” e se esquecer de estar presente e conectada de fato. É como se estivesse tudo “sob controle”, e então o caos se instala.

Os últimos foram dias difíceis. Muitas mudanças: desmame, mudança de casa. Nos últimos 10 dias dei muito pouca atenção ao Miguel, isso depois de passarmos por um desmame doloroso, muito sentido por ele que, até hoje, pede pra mamar.

Pois sofri as consequências de achar que estava tudo sob controle e de me “ausentar” da relação. Miguel era outra criança: irritado, choroso, querendo só colo, pouco colaborativo, mandão, teimoso, indócil, insatisfeito, agressivo até.

Tive que voltar ao chão, retomar o contato, parar tudo e olhá-lo, ouvi-lo, afagá-lo. E era tudo tão óbvio, tão evidente que o “caminho mais fácil” é o mais difícil, que evitar “perder tempo” no meio da mudança para estar de fato com ele implicaria em perda de tempo real tentando apaziguar os ânimos, meu e dele.

É um reaprendizado diário, um lembrete contínuo de que não se deve descuidar da presença, do carinho, da atenção, do amor.

Foi essa a lição que esses dias me trouxeram: a conexão nossa de cada dia, todo dia, sem acomodação nem descuido.

domingo, 1 de junho de 2014

Viver bem hoje


Uma coisa que aprendi com a maternidade é que construímos a relação no agora. É o que vivemos hoje que criará um passado agradável e saudoso, ou não. É como vivemos hoje que criará um futuro saudável e harmônico, ou não.

A nossa relação é hoje. É aqui e agora. O surgimento de conflitos e a forma como o solucionamos são fundamentais para que hoje seja um dia prazeroso, que deixará saudades e resultará em pessoas seguras e relações felizes.

Encaro meu filho como alguém que tem vontades e desejos que são diferentes dos meus. Por que a minha vontade, o meu desejo, deve prevalecer? Por que devo brigar e obrigar meu filho a fazer o que eu quero? Por que devo exigir que ele seja como eu espero e haja como eu idealizo?

Quando me dou conta de que há uma outra pessoa com quem estou me relacionando, independente de sermos mãe e filho, de eu ser mais forte do que ele em muitos sentidos, passo a respeitá-lo de igual pra igual, entendê-lo, incluí-lo, ouvi-lo. Isso faz toda a diferença pois que nas situações em que uma mãe ou pai normalmente faria incidir sua vontade, por bem ou por mal, eu paro e busco aceitar o que ele me propõe.

Agora mesmo ele está com a fralda cheia de cocô. Já há tempos não aceita mais trocá-la com a facilidade de antes. Acredito ter relação direta com minhas negativas em dar-lhe “mamá” e, recentemente, com o desmame total pelo qual passamos. Ele também quer colocar seus limites. Esse é um. Não quer trocar a fralda de cocô. E pronto.

É uma situação muito difícil porque cheira mal, pode assar, vazar. Busco respeitar. Confesso que já o peguei a força e foi terrível. Pra ele e pra mim. Então, se posso esperar pelo seu tempo, faço isso para o bem da nossa relação.

Houve um tempo em que ele subia sozinho no carro mas não queria sentar-se em sua cadeirinha. Preferia explorar o interior do carro. Por duas vezes ele se negou terminantemente. Íamos à praça do coco. Eu disse que estávamos indo pra lá, perguntei se queria ir, ele confirmou, eu então disse que pra irmos ele precisaria sentar-se na cadeirinha. Mas ele se negava. E não fomos! Eu me frustrei porque queria ir, pra mim é também um programa muito prazeroso, mas não podia pegá-lo a força, amarrar na cadeirinha e sair com ele chorando, agredido, desrespeitado. A partir disso ele compreendeu que só saímos de carro se ele se sentar na cadeirinha. E ele está muito mais colaborativo com relação a isso.

Se há situações em que ele não quer sentar na cadeirinha de forma alguma e temos que ir a algum lugar, aviso que vou pegá-lo. Acredito que ele entenda que é uma situação limite, então me diz que não o pegue, que ele vai se sentar sozinho. São situações excepcionais. A regra é aguardar seu tempo.

Ele percebe que suas escolhas são respeitadas, mas que há situações em que vale a minha palavra. Não porque sou sua mãe, porque mando nele, porque ele deve me obedecer, mas porque tenho mais experiência do que ele, cheguei antes nesse planeta e meu dever é cuidar dele.

Acontece o mesmo com situações perigosas. Em geral somos, digamos, cuca fresca, deixamos que ele se arrisque, se desafie, se supere. Estamos sempre junto, atentos, observando suas aventuras. Mas há vezes em que a situação é perigosa, entra no nosso limite do quanto queremos arriscar, e aí colocamos o limite que, em geral, se dá de forma muito tranquila.

E assim, percebendo o Miguel como um outro que tem desejos e vontades, aceitando isso, flexibilizando, abrindo mão das minhas expectativas, podemos viver de forma mais harmônica hoje, criando um passado e um futuro mais felizes.