domingo, 5 de junho de 2016

Algodões

Estamos em uma viagem de muito aprendizado. Estar 24h por dia em família, mudando de lugar de tempos em tempos, adaptando-nos à nova localidade, criando uma rotina, acostumando-nos com a nova “moradia”, iniciando novas relações, tudo isso é desafiador.

Nos faz olhar também para quem somos, como agimos nessas situações, como lidamos com esses desafios, o quanto certas posturas nossas ou de outros entes da família nos agradam ou desagradam.

As primeiras semanas de viagem foram bem difíceis. Minha energia estava bem pesada, sei o quanto estava sofrido estar comigo pelas ações e reações da minha família.

As coisas melhoraram um pouco em Piracanga, no início. Parti para lá mais leve e buscando manter essa leveza. Miguel estava mais tranquilo também por conta das minhas mudanças em relação a ele e lá ele frequentou, pela primeira vez, uma escola, a Escola Viva Inkiri.

Foi uma experiência interessante para todos. Eu e Tiago pudemos nos aproximar mais nesse tempo em que Miguel estava na escola e curtir a pequena com exclusividade. Miguel, de sua parte, pode experimentar novas relações, seja com as educadoras, seja com o espaço incrível da escola, seja com outras crianças dentro de um ambiente que, por mais “livre” que pareça, é institucional.

Foi interessante vê-lo tão animado com a escola. Paradoxalmente, ele não pareceu conectado a nenhuma educadora, não parecia saber seus nomes e, na minha interpretação, negava mesmo seu papel e função na escola. Chegou a fugir de lá em uma ocasião, mas as razões permanecem desconhecidas para mim.

O período da escola, contudo, era mínimo perto do restante do dia e eu me via contando as horas para as refeições e lanches, momentos de distração em que me empanturrava daquela deliciosa comida vegana.

Há algo forte em Piracanga. Todos estão passando por algum processo de autoconhecimento e cura, as conversas são profundas. Estar lá é também montar um quebra cabeça sobre aquele lugar, as pessoas e as relações que se estabelecem ali. Não há leveza que sobreviva e meus dias eram de espera, reflexões, julgamentos e auto julgamento.  

Enfim partimos e eu já estava desanimada comigo mesma, como minha incapacidade de curtir verdadeiramente a viagem e me entregar ao agora e às relações com marido e filhos. E então chegamos a Algodões.

Foi um bálsamo! Que energia incrível ali. Uma pequena vila de ruas de chão. Entre as casas, grandes quintais e terrenos com árvores, matinhas, muito verde. Ficamos na Casa Del Mar, da Amaya e do David e suas encantadoras filhas, Duna e Alma. A linda casinha que nos abrigou tinha um quarto, um banheiro, sala com cozinha e uma varanda. Cercada de árvores. 

O sítio é em frente ao mar e nos fundos, depois de muita mata, está a Escola Sempre Viva, inspirada na Inkiri. Uma escola comunitária, muito linda, com poucas crianças e, enquanto estivemos por lá, só uma professora. As crianças iam de 3 a 10 anos e Miguel se juntou a elas pelas manhas e em algumas tardes para capoeira e música.



Miguel a caminho da escola

Aula de música à tarde

Lolo também quis dançar na aula de música


A praia, na maré baixa, tem piscinas naturais. O rio que desagua na praia estava fechado com a seca dos últimos tempos e se abriu logo que chegamos.

Tiago mergulhado nas piscinas naturais

Lolo brincando no rio


Para alegria do Miguel logo encontramos o Boki da Zezé, um ponto de encontro pra quem quer tomar sorvete, mas que também é lounge, café, guest house e um quintal cheio de árvores verdes atravessadas pela luz do sol.

Passamos dias calmos. Cozinhamos, andamos pela praia, passeamos pela vila. Não havia ansiedade, espera, vontade de que o tempo passasse rápido. As sensações conflitantes que me acompanharam até então, de manhãs de entusiasmo e esperança e noites de cansaço e vontade de ir embora, foram muito mais amenas até se dissiparem.
Passeio pela praia de Algodões

Cozinhando e amamentando


Pudemos interagir, ainda que pouco, com parte da comunidade local, de pessoas que se mudaram para lá há muito tempo e outras que chegaram há pouco.

A minha sensação de tranquilidade me surpreendeu. Não sei se reflexo do trabalho interno das semanas anteriores ou se da energia de Algodões. Ou as duas coisas, mas o fato é que o prazer da viagem finalmente me alcançou. Ou melhor, eu finalmente o encontrei. Não havia mais pressa de ir, havia leveza.

Pude também ver como funcionam e quanto duram nossos ciclos de humor, e apreciar nosso esforço por ficarmos bem. Houve uma sequencia de dias incríveis, de muita conexão. No dia mais lindo de sol, no meio do feriado, decidimos ir pra Barra Grande, uma vila bem mais turística, onde estive pela primeira vez há 15 anos e pela última, há 10. Estava irreconhecível, totalmente dominada pelo turismo exploratório.

A estrada para chegar até lá é ruim e chacoalhamos mais de meia hora. Não sabíamos onde ficar e muito menos onde comer. Estávamos no lugar errado, na hora errada. E conseguimos manter o bom humor, a cordialidade, a empatia, o respeito. Foi incrível viver situações que, num passado nada distante, resultariam em conflitos, distanciamento, mau humor. Dessa vez, apesar das intempéries, nos mantivemos unidos e conectados.

Dois dias depois passamos a manhã na praia brincando com as crias, cavando buracos e fazendo foguetes de areia a serem lançados para os diversos planetas do sistema solar. Foi tão prazeroso estar em família que mal pude acreditar já estarmos há tantos dias nessa harmonia. Claro que novos ciclos se iniciaram e outros desafios surgiram. Mas ficou a percepção do quanto aprendemos nessas semanas de viagem, de estar juntos, de usufruir do que temos e estar em fluxo.

Sei bem que a forma como tratei Miguel nesses dias, com total respeito e empatia, foi fundamental para essa harmonia. Em Serra Grande conheci uma mulher, mãe de três meninos. Seu tom de voz para falar com eles é o mesmo que usa para falar com qualquer outra pessoa, o que pra mim soa maravilhoso. Sim, pois quantos de nós não falamos com nossos filhos dando ordens, ameaçando, em tom de reprovação, taxando-os, com nossas palavras e entonações, de inadequados, imperfeitos, falhos, ilegítimos. Sair desse tom julgador é uma grande chave para uma relação mais saudável com as crias. E por alguns dias pude acessar esse lugar e me conectar de coração pra coração com meu filhote. Recebi com alegria seu amor e gratidão.

Eu quis muito escrever esse post de Algodões, com os sentimentos que estavam em mim, no meu corpo. Infelizmente não consegui e agora escrevo só com a mente, com as lembranças do que senti, pois meu sentimento já é outro, já está em outro lugar e momento.


Algodões é um marco na nossa viagem. Voltaremos.

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