Desde que nossa viagem começou as tensões com Miguel são crescentes. Xingamentos
crescentes. Agressões físicas crescentes. Negativas crescentes. Como
consequência: meu distanciamento tem sido crescente, minha raiva, minha falta
de paciência, minha falta de amor.
Entramos num ciclo vicioso que sei que já vivi, só que na posição em que
Miguel está agora. A criança desafiando a mãe, e a mãe desamando, se afastando,
aumentando o fosso, a dor da criança, que reage com mais desafios. Tudo que eu
não queria.
Venho me preparando muito nessa maternagem, estudando, vivenciando,
trocando. Mas nada disso é suficiente quando nos falta recursos internos pra
lidar com a nossa própria dor, tocada pela dor do nosso filho.
Ao chegar em Serra Grande para um período de um mês e meio nosso filho
alcançou o ápice da revolta, e nós, da falta de amor, empatia, compreensão.
Como chegamos nessa situação meu deus?!
Ora, Miguel é espelho/esponja. Absorve e nos devolve aquilo que estamos
sentindo e vivendo. Alcançamos tal grau de agressividade recíproca que me vi
gritando com meu filho a ponto dele chorar, e dando-lhe um empurrão em uma
disputa. Como posso pedir ao meu filho que não me bata, não me xingue, não me
agrida?
Parei tudo. Busquei florais pra ele e pra mim. Falei com amigas queridas,
novas e antigas. Dividi angustias com meu companheiro.
Os florais adiantaram para Miguel nos primeiros dias, mas a dor dele é
tamanha que não bastam gotinhas. Eu precisava mudar.
O que percebo é o quanto de “nãos” lhe dizemos todo o tempo. O quanto o
reprimimos. Quantas coisas ele não pode fazer, ou não pode fazer do seu jeito.
Somos seus censores e estamos TODO O TEMPO lhe dizendo o quanto ele é
inadequado, o quanto não está agindo direito, o quanto o que faz é errado. Certo
e errado novamente. A escola em nós.
Me reconheço como alguém super cerimonioso. Estou todo o tempo não
querendo atrapalhar, buscando não desagradar, não abusar. Deixo de aceitar comida,
por exemplo, pra não atrapalhar. Fico preocupada de meu filho estar
atrapalhando, sendo abusado, folgado, inadequado. E o tolho o tempo todo, da
mesma forma que me tolho.
Isso chama-se falta de confiança. Sei que devo confiar nele, deixa-lo
ser. Mas não confio. E assim passo a mensagem de que ele também não deve
confiar em si, mas no julgamento do outro, de fora.
Observando minha amiga Cynthia pude aprender tanto sobre esse tema. Sua
filha, Amanda, de quase três anos, estava em cima de uma cadeira, com uma
xícara de louça na mão. Cynthia não disse nada, sequer “cuidado”. E Amanda
seguia ali, tranquila, confiante em si mesma e na vida. Eu já teria dito
cuidado várias vezes e muitas outras recomendações mais. E o que Miguel me
devolve, mais desafios pra que eu possa ficar o tempo inteiro vigiando-o, julgando-o,
não o deixando ser.
Não sou a mediadora de suas relações. Claro que devo sim me posicionar
quando ele fizer algo que mereça esse posicionamento. Mas quais são esses
momentos? Quantas vezes o outro com quem ele se relaciona pode e colocará seus
limites. É assim que ele aprenderá a se relacionar, não através de meu filtro,
já tão enviesado.
Fomos amassar o barro para as paredes de uma casa que está sendo
construída em mutirão. Assim que chegamos encontramos aquele barro gostoso,
argiloso, espalhado pelo chão, sendo pisado. Uma das filhas da Cynthia, bem
maior que Miguel, pegou um pedaço pra brincar. Ele também fez isso. Meu ímpeto
foi censurá-lo, dizer que não podia, ou que perguntasse se podia. Me refreei
pelo exemplo de Cynthia e sua filha.
Minutos depois meu marido estava fazendo exatamente o que eu tinha
conseguido me segurar pra não fazer. Eu, imediatamente, chamei-o antes que terminasse
a frase e o refreei. Era uma escolha. Deixá-lo ser ou deixar Miguel ser. Que
desafio! Ele, claro, não gostou.
E eu entendi que não basta deixar Miguel ser. Preciso deixar meu marido
ser. Crescemos todos inadequados, reprimidos, mal-amados, carentes. Se estou
lutando pra fazer diferente com meu filho, devo fazer diferente também com meu
companheiro de vida. Preciso parar de dar pitaco na sua relação com meus filhos
e deixa-lo livre pra encarar e solucionar seus próprios desafios.
Também tenho estado mais presente com Miguel. Desde que Eloísa nasceu
ele virou responsabilidade do pai, não tenho tempo pra ele. E isso tem sido fatal
pra nossa relação e pra espiral de agressividade em que ele se encontra.
Temos dado tempo pra nós. Pra pegar jacaré, pra andar até o rio, pra ir num
espaço de recreação juntos, só eu e ele. Também pude me (re)lembrar da criança
que fui, de estar nesse lugar de ciúme, insegurança, abandono até. Da minha
revolta. E do quanto isso não foi acolhido. Muito ao contrário, só aumentou a
espiral de revolta e dor até chegar à idade adulta, passando por uma
adolescência sofrida da qual não tenho saudades.
Hoje pude ser mais amorosa mesmo em resposta às agressões. Dizer muitas
vezes que o amo, o quero, é meu filho amado. De beijá-lo logo depois de pedir
pra não bater na irmã, não me xingar.
Mas isso foi hoje. Sei que posso voltar ao lugar reativo e de desamor em
que estava há pouco. O grande desafio é deixa-lo ser e amá-lo como ele é.
Seguimos.
Ih, comentei e não foi, vou escrever de novo... perguntei se lembras de mim, da lista materna_sp, em seus anos dourados de yahoogroups? Fico feliz que esteja vindo até a Aldeia, angústias semelhantes às suas me trouxeram aqui!! Se vc usa whatsapp me inclui 73 999151193. Beijo! Fe Mouco.
ResponderExcluirIh, comentei e não foi, vou escrever de novo... perguntei se lembras de mim, da lista materna_sp, em seus anos dourados de yahoogroups? Fico feliz que esteja vindo até a Aldeia, angústias semelhantes às suas me trouxeram aqui!! Se vc usa whatsapp me inclui 73 999151193. Beijo! Fe Mouco.
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