Foi um longo caminho até o encontro com meu companheiro e a
decisão de termos um filho. Sempre tive dúvidas sobre tudo e mesmo depois de
grávida eu ainda não estava, digamos, 100% segura do que eu havia escolhido.
Após o nascimento do Miguel, porém, não me lembro mais de
ter tido as dúvidas que me assombravam anteriormente. As coisas mudaram. E não
é que foi de repente. Foi como se sempre tivesse sido assim.
A maternidade foi pra mim uma grande transformação mas,
olhando agora, é como se tudo estivesse sempre ali. Na verdade estava sim, tudo
estava em mim.
As dificuldades dos primeiros meses estão encobertas na
minha memória pois logo que o Miguel nasceu meu marido descobriu um tumor no
cérebro removido por cirurgia. O ano seguinte inteiro foi de rádio e
quimioterapia, muitas outras terapias, muitas mudanças na alimentação, nas
nossas relações, no nosso estilo de vida.
Mas foi um ano voltado para esse tema: o tratamento da
temida doença e, passado esse ano, voltei-me um pouco para minhas questões.
Nesse ano também voltei a trabalhar em um lugar que adoro, com pessoas que amo,
fazendo coisas de que gosto, com um horário pra lá de flexível, trabalhando dois
dias por semana em casa e com muita compreensão das “chefes”. Aliado a isso
tive a sorte de contratar uma babá cujo amor pelo Miguel é tão grande quanto o
dele por ela, além de ter o auxílio de uma funcionária perfeita que cuidava da
casa.
Mas nada disso me tirava o sentimento de que havia algo
errado. De que meu lugar não era trabalhando fora, por mais nobre que fosse meu
ofício. Que não fazia sentido tentar mudar
o mundo através de políticas públicas, brigar com grandes corporações,
judiciário, executivo e legislativo. Que a grande revolução, a verdadeira
transformação estava na relação mãe e filho. Era essa relação na qual eu queria
investir. Era essa relação que eu queria viver plenamente.
Muitas leituras me acompanharam nesse período e os livros da
Laura Gutman foram fundamentais a ponto de me interessar por experimentar seu
método terapêutico, a biografia humana. E foi assim que comecei um total de 10
sessões por skype em um portuñol duvidoso mas com muita ânsia de me aprofundar
em mim mesma. Entendi meu papel no cenário familiar, me perdoei, compreendi as
ações e reações de familiares bem como algumas das situações ocorridas logo
após o nascimento do Miguel. Vale dizer que mais de 10 anos de análise devem
ter contribuído um tanto para esse resultado.
Ao lado disso, cada vez mais o tema da criação dos filhos me
movia. Li Carlos Gonzales e Jean Liedloff além de outros autores que tratam da
criação com apego, compartilhei com mães em grupos presenciais e virtuais,
acessei blogs, participei de vivências de educação ativa e vi uma entrevista
reveladora com Ana Thomaz que me arrebatou! Após vários contatos e encontros
finalmente comecei a fazer aulas semanais de técnica Alexander em sua casa que,
pra mim, mais que tudo, foram terapêuticas para o corpo e a alma.
Foi um período muito fértil, de muita conexão e
autoconhecimento. Em dois ou três meses pedi demissão do meu trabalho e em
cinco mudamos de São Paulo para um pequena chácara em Barão Geraldo, distrito
de Campinas.
Tudo se encaixou, a mudança gritava no meu corpo, eu
precisava agir. Já. No início não sabia bem pra onde. Claro que pedir demissão
sendo a maior renda familiar não é uma decisão a princípio fácil. Mas confesso
que não foi difícil porque era tão óbvia!
Na verdade o que houve foi uma mudança de paradigma e uma
compreensão do sentido da vida, de porque estamos aqui, do que é realmente
importante. Claro que tudo isso pode ser um chavão se só ficar nas palavras e
intensões. Mas essa mudança de valores atingiu meu âmago, ou brotou dele, tanto
faz. Eu incorporei esses sentimentos, essa forma de pensar e sentir.
Eu queria estar com meu filho! Por mais que a babá fosse
incrível, amorosa e amada por ele, quem eu queria que estivesse nos momentos
preciosos do seu dia era eu. Eu queria assisti-lo na descoberta do mundo, vê-lo se
desenvolver, compartilhar com ele meus valores, minhas ideias, meus
sentimentos.
A princípio pedi demissão com a firme ideia de continuar em
Sampa, mudar para uma casa. Quão egoísta eu estava sendo. Meu marido, após mais
de um ano de tratamento barra pesada voltou a trabalhar na Unicamp e três vezes
por semana viajava de fretado sacrificando de doze a quinze horas semanais só no
trajeto. Já na gravidez ele suavemente me havia proposto a mudança pra Campinas
mas havia uma grande resistência de voltar para o interior, para uma vida
interiorana parecida, na minha cabeça, com a da minha infância/adolescência que
não foi das mais felizes e da qual fugi na primeira oportunidade que pude, mais
de 20 anos atrás.
De novo agora ele timidamente me propunha a mudança e eu não
conseguia enxergá-la, até que uma amiga me perguntou: mas por que vocês não
mudam pra Barão Geraldo? Essa frase ressoou não só na minha cabeça, mas em todo
o meu corpo. Eu não conseguia parar de pensar nisso. Fazia todo sentido. Barão
Geraldo. Era um chamado, o mesmo chamado que eu ouvia para me dedicar
integralmente à maternidade.
As pessoas hoje, quando chegam na minha casa, se surpreendem
com a mudança. Eu as compreendo mas não vejo assim, porque já havia mudado a
casa interna muito antes, a mudança externa foi consequência lógica e natural
dos passos anteriores.
Não foi fácil, mas também não foi nada difícil porque tudo
fazia sentido, tudo vinha de dentro, tudo era natural.
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