Miguel nasceu numa
6a feira. Meu leite desceu na 2a. Na 3a
ele desaprendeu a mamar.
Foram dias
terríveis, com idas e vindas a pediatras, fonoaudióloga, visita de
especialista em amamentação, até que ele reaprendesse a mamar, uma
semana depois.
Chorei loucamente
nesses dias. Ele também, de fome.
Tempos depois pude
entender: esse episódio me trouxe para a maternidade. Foi preciso
que meu bebê não se alimentasse para eu me desligar do mundo
externo e me voltar para o interno. Inicialmente tratei o nascimento
como mais um fato da vida, vida essa que deveria seguir do mesmo
modo, cheia de amigos, visitas, eventos sociais, compromissos.
Mas a maternidade
requer conexão, silêncio, estar a sós, conhecer-se com
profundidade, regar o amor, entregar-se. Foi o que meu filho me fez
ver e viver.
A amamentação
passou a ser nossa principal forma de conexão. E virou um pouco a
minha muleta. Tudo se resolvia com ela.
Logo descobrimos o
tumor do Tiago e houve uma reviravolta no puerpério. As atenções
se voltaram para a cirurgia e tratamento e mais uma vez a amamentação
desempenhou papel fundamental para que eu pudesse segurar a onda.
Minhas questões
alimentares, meu medo de não conseguir alimentar meu filho,
apropriar-me do cuidar e do fazer o alimento, retardaram muito seu
interesse e necessidade de comer. Só com um ano e meio a alimentação
se estabeleceu de fato.
E mais uma vez a
amamentação nos salvou, me deu tempo para me sentir segura com o
tema da comida e manteve Miguel saudável.
Por mais de um ano
ele acordou seis, sete, oito, DEZ vezes à noite pra mamar. E sempre
mamou intensamente durante o dia. Comecei a me cansar, a me
incomodar.
Tentativas
inicialmente bem sucedidas de reduzir as mamadas noturnas logo desandaram.
Precisei de tempo e
força para colocar limites nas mamadas diurnas. Há poucos meses,
depois da “farra do peito” em que as festas de fim de ano se
transformaram, tive forças para reduzi-las a quatro por dia.
Mesmo assim me
sentia esgotada e o desejo de desmamá-lo aumentava.
Me dei conta de que
o desmame gradual não funcionava mais. Chegara no meu limite.
Todas as mamadas
remanescentes eram importantes, esperadas e desfrutadas por ele. Cada
vez mais eu cedia um “golinho” aqui, outro acolá, fora das
mamadas já delimitadas.
Então, depois de
prepará-lo por alguns dias, domingo, 18/5, foi o último dia do
“mamá”.
Segunda foi um dia
duro. Miguel fez cocô três vezes. Defecar é uma forma de liberar a
tensão. Está também relacionado ao sentimento de medo.
À noite ele chorou
muito. Havia revolta, tristeza e frustração. Pediu muito pra mamar.
Eu e meu marido choramos também.
Nomeei seus
sentimentos de raiva, tristeza e frustração pelo fim do “mamá”.
Acrescentei que pra mim já não dava mais, que estava cansada, que
ele é um meninão, que ninguém mama pra sempre, e que esse era o
limite da mamãe. E que o amava muito, que ele é meu filho amado e
que podemos nos amar e nos conectar de muitas outras formas.
Na 3a
feira Miguel acordou resfriado. Foi mais um dia difícil. Muitos
“nãos” afirmados por ele. E muitos pedidos para mamar.
À noite Tiago
dormiu com Miguel. Foi uma decisão sua. Miguel queria dormir comigo
e eu prontamente concordei. Culpa. Mas Tiago disse que não, era a
sua noite e ele queria e iria assumir esse papel. Quanta gratidão
pelo meu marido.
Foi maravilhoso. Eu
descansei. Miguel chorou pouco, quase não acordou. Pela manhã
chorou mais, pediu muito. Ficamos abraçados, fiz muito carinho nele,
reconheci seus sentimentos, o amei muito. Ele se acalmou, dormiu mais
um pouco.
Dócil pela manhã, porém, na hora habitual da soneca da tarde fez-se um grande luto.
Ele chorou, se feriu propositalmente, fechou-se no banheiro, chorava,
abria a porta para ver se eu o velava do lado de fora, pedia pra eu
abrir a porta, não me deixava entrar, chorava.
Fomos para seu
quarto. Chorou mais. Agressivo. Queria me bater. Queria se bater.
Foi duro. Aguentei firme. Lado a lado. Acolhimento.
À tarde, novo
choro. Saímos e ele caiu muito, estava muito vulnerável.
Porém, na hora de
dormir, deitamos juntos, lemos. Ele bebeu água, revirou-se pra cá,
revirou-se pra lá. Dormiu. Não pediu pra mamar.
Filho forte. Vivendo
intensamente sua primeira grande perda. Estamos do seu lado,
aprendendo que as pessoas têm limites. Eu tenho limite. A mãe tem
limite. Ele já pode reconhecer seus limites.
Também tive
dúvidas. Seu choro me doeu muito. Lembrei-me de ler que há culturas
em que é inconcebível deixar um filho chorar. E eu ali, fazendo
meu filho chorar. Mas depois compreendi que não o estava deixando
chorar. Coloquei um limite meu, que preciso reconhecer e validar.
Isso o frustrou, feriu. Mas eu o acolhi. Fiquei ao seu lado.
E pude perceber que
agora somos nós, não existe mais o “mamá” entre eu e você.
Oi Clarissa,
ResponderExcluirMuito bonito seu texto! Os limites aparecem mesmo a todo tempo na construção de uma família. E vamos ajustando nossos limites e amando muito. E vamo que vamo!! Um beijão pra vc e pro Miguel :)
Clarice,
ResponderExcluirSenti a sua perda e angústia. Como tudo seria mais fácil se já pudéssemos sentir o conforto que o passar do tempo nos dá, assim que as grandes dúvidas aparecem. Por outro lado, se assim fosse, não cresceríamos na nossa essência. Portanto, parabéns pelo aprendizado.
Cla, muuuito obrigada por compartilhar essa história. Eu me emocionei muito lendo la. Estou querendo fazer o destete do Luar e... Ai é duro. Sinto muita tristeza. Tavez tenha que passar por ai meu trabalho de desapego. Não sei. Estou cansada. Mas parece que não posso sutener esse vacio. Meu vacio... Buf abrazote amiga
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