segunda-feira, 17 de agosto de 2020

"Quantos dias faltam?"


O dia do aniversário é um tema tão importante pras crianças, a ponto de já quererem saber quanto falta pro próximo aniversário dias depois de ele ser comemorado.


O nono aniversário do Miguel está chegando e é tão maravilhoso ver sua forma de apreender o mundo, de adquirir conhecimento, de aprender. 

Cada dia, cada passo, cada manifestação confirma nossa escolha de uma vida sem escola. É a base para uma vida desinstitucionalizada. Uma vida simples, simplificada, que valoriza o essencial, as essencialidades de nossa estadia nesse lugar (nossa querida Terra), nesse tempo (nosso curto período de vida).

Mesmo assim sempre me impressiono quando descubro algo novo sobre o jeito dos meus filhotes de aprender.

Por isso foi com grata surpresa que vivenciei o que vou contar.

Querendo saber quantos dias faltavam pro seu aniversário, no dia 2/9, Miguel pediu a calculadora. Fiquei intrigada sobre como ele faria essa conta. 

Eu contei nos dedos. Como estávamos no dia 13 de agosto, meus dedos indicaram faltarem 20 dias.

Com a calculadora do celular em punho Miguel disse que eu tinha acertado 

Quis ver como ele fez essa conta: 31+2-13=20.

Achei tão genial e ao mesmo tempo tão óbvio e simples.

Eu, carregada de escola, não tinha pensado nessa forma de encontrar a resposta. Miguel, com sua mente livre de certos e errados, de caminhos prontos a seguir, conectou-se apenas à sua curiosidade e seu objetivo de resolver o que o instigava. 

E lá estava ele com o resultado, validando meus dedos contadores.


Sobre Odes e Outros Amores


 
Filho meu

Menino vento
Mais cabeça que corpo

Anda flutuando
Flutua ao pisar
Se perde e se encontra no seu tempo, à sua maneira

Abridor natural de caminhos, chegou trazendo clareira
Guerreiro, dispõe suas armas
Me traz pra terra, espelho meu
Te ver é renovada chance
É jogar outra vez

Menino vento
Bem sabem os pássaros por onde voas



Eloísa


Uma menina de cachinhos
Uma menina sem cachinhos
Uma menina sapeca
Um braço quebrado
Que não segura seu fogo

Uma menina que brinca
Uma menina que ri
Uma menina que faz rir
Que chora
Que cria
Que inventa uma história
Que decora e declama outra

Menina. Que chegou na banheira
Que ganhou do irmão seu nome
Que foi presente da família inteira

Menina amada
Dourada
Iluminada
Como alegra nossa vida a cada manhã!















Ode Ao Meu Corpo

Esse corpo de tantos anos
Tão gentil
Tão fiel, mesmo nas suas infidelidades
Esse corpo que me acompanha e que eu também acompanho em seus prazeres, suas dores, suas travas, seus amores
Esse corpo tão distante, desconhecido
Que me inquieta, me representa
Abriga essa mente dominante
Meu condutor nessa aventura terrestre

Um corpo. Uma alma. Uma mente
Tantas histórias

Conhecê-lo
Tocá-lo
Escutá-lo em suas falas tão sutis
É preciso não se distrair para ouvi-lo
Atentar para suas mudanças climáticas
Amar esse corpo
Admirar sua força
Sua presença
Sua inteireza tantas vezes despercebida

Concreto
Existo porque tenho corpo
Existo pois sou corpo
Esse corpo sou eu






domingo, 19 de abril de 2020

Paz





O mundo está um caos. Daqui avisto uma bateção de cabeças. O vírus apenas exacerbou o que já estava latente. Não sabemos qual a saída, se há uma saída e se teremos ouvidos para ouvir e olhos pra ver o outro, pra chegarmos em caminhos comuns que preservem autonomia, liberdade, mas também permitam o abrir mão, o perder, o parar, o deixar de fazer.

Embora haja tanto barulho, aqui encontro paz. Uma paz longa, nunca antes experimentada. Como se eu tivesse alcançado um patamar. Uma planície alta. E apesar de alguns altos e baixos, desse patamar não saio mais. É prazeroso. É uma alegria acessível em tempo real, basta me dar conta de onde estou, do momento, do que estou vivendo. Me dar conta de um não tempo. De que sou eu quem crio (na verdade, sempre criei) minha agenda insana, cheia de compromissos talvez desnecessários. E de que posso transformar meu tempo. De que a agenda está vazia, os dias estão vazios, e sou eu quem os preencho, ou não. Eu tenho essa escolha. E sempre tive, na real, só não percebia.

Essa paz, porém, não vem sem culpa, sem uma sensação de que deve haver algo errado: estar assim, entregue a essa paz, com o caos reinante lá fora, ou logo ali adiante?

Devo reconhecer, contudo, que construí essa realidade. Que a busquei. Que me transformei. Que trabalhei muito pra chegar aqui. Me olhei muito. Me observei muito. Mudei muito. E hoje, mesmo quando há um caos aqui dentro (e há caos aqui dentro também), quando a casa está caótica, a rotina perdida, o planejamento descartado, ainda assim acesso esse lugar de paz.

Essa paz vem também de um aprendizado sobre a aceitação. Aceitar. Aceito. Cada vez mais aceito o que vivo. Aceito o outro. Aceito a mim mesma. Aceito o que se me apresenta. Aceito que muitas vezes não tenho espaço pra aceitar.

Aceitar tem sido curador. Não é que não haja conflito, mas ele é mais sutil, tem camadas mais profundas que vão se revelando.

Aceitar tem sido um grande convite pra viver bem. E ainda assim, quando escrevo, temo soar leviana, alienada, pouco conectada ao caos externo. Talvez sim. Faltam-me ferramentas pra empreender esse julgamento sobre mim mesma.

O que fica é essa paz. Agora amiga de uma pequena angústia que de fato chega. Mas segue a paz liderando os meus dias nesse momento. Sou grata e me questiono como devolver ao entorno, próximo e distante, o tanto que recebo.