tag:blogger.com,1999:blog-2092896904176752782.post4087196064525762280..comments2022-01-18T09:24:54.147-08:00Comments on Depois que virei mãe: Limpar a casa e ser livre, ou de como venho me apropriando da vidaDepois que virei mãehttp://www.blogger.com/profile/16372300721001766637noreply@blogger.comBlogger2125tag:blogger.com,1999:blog-2092896904176752782.post-1901693128609824102016-03-05T07:15:29.630-08:002016-03-05T07:15:29.630-08:00O fato de que você nem percebe o quanto a forma co...O fato de que você nem percebe o quanto a forma como escreveu é ofensiva é algo, em si, ofensivo. De novo, o problema não é falar sobre o seu processo, a sua vivência, falar do seu ponto de vista. Não precisa ter vergonha, a questão não é a falta de vergonha, mas de empatia. De recorte, como se diz. Falta de pensar em como os seus privilégios informam a sua vivência e tentar se colocar no lugar de pessoas que não tenham esses privilégios, especialmente quando isso as força a entrar na sua casa e limpar a sua sujeira por você.<br />Sem falar na mensagem implícita de que, para que uma mulher não seja explorada, é necessário que outra seja. Porque você diz: "esse cuidado, em nossa casa, é de todes, homens e mulheres", mas não é isso que aparece no seu texto. O que aparece é você cozinhando sozinha todos os dias. Você, cansada (ainda que realizada). Você limpando a casa sem nem saber por onde começar. Você se preocupando com a casa suja. Você. Só você.<br />Cadê o homem que participa? Ele não aparece na sua narrativa. Não conheço a divisão de trabalho na sua casa e não me cabe adivinhar acerca dela. Mas foi isso que você retratou, contraditoriamente à sua afirmação de que o cuidado seria de todes.<br />Eu sei o quanto isso tudo foi importante para você. E acho ótimo que você tenha dado esse passo, para si e para a sua família. Eu conheço vocês e espero que você entenda que não teço essas críticas sem qualquer carinho ou consideração por você. Fosse texto de alguém que eu não conheço, com quem não tenho nenhuma abertura, eu nem me daria ao trabalho. Mas eu falo com alguém com quem convivo e cuja intenção de desconstruir preconceitos sempre me foi afirmada, e falo como alguém que não vai ser conivente para não ficar mal com as amigas, especialmente quando instada a me manifestar.<br />Não vejo erros como absolutos, e menos ainda como monstruosidades imperdoáveis, mas como oportunidades, como parte do aprendizado, como algo construtivo. Muitas vezes precisamos errar para acertar. E te digo que, para mim, partirmos do nosso umbigo em direção ao nosso umbigo será, praticamente sempre, um erro, porque nos afasta da nossa própria humanidade e de um entendimento mais profundo da nossa existência e impacto no mundo.<br />Sei que muita gente só viu acerto, achou maravilhoso e “empoderado” (¬¬) o seu texto. Sei, ainda, que a minha opinião é apenas a minha opinião e que provavelmente é minoritária. Mas você pediu por ela. Então… ei-la.<br />Um grande abraço,<br />LetíciaLetícia Penteadohttps://www.blogger.com/profile/06749449143074643586noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-2092896904176752782.post-12171797228463169102016-03-05T07:07:44.416-08:002016-03-05T07:07:44.416-08:00Querida Clarissa,
Atendendo ao seu pedido para que...Querida Clarissa,<br />Atendendo ao seu pedido para que eu compartilhasse com o público minhas críticas sobre o seu texto, posto aqui minhas considerações.<br />Como dito, fico muito feliz pela sua superação e, principalmente, fico feliz que você esteja feliz. Mas infelizmente não posso dizer que gostei do que você escreveu.<br />Sobra qualidade de escrita, mas falta empatia e sensibilidade com as pessoas que não estão na mesma condição que você. Para mim, ficou muito relato “sinhá", ou de “pobre menina rica”.<br />Creio ser possível a gente falar da nossa vivência, da nossa experiência, do nosso ponto de vista, sem desconsiderar os de outrem; especialmente, sem atropelar, como se fossem irrelevantes, questões que são importantíssimas até para a nossa própria narrativa - se nos abrirmos a essa percepção, é claro.<br />É que nem quando um "ex-machista" conta de sua mudança como se esperasse uma medalha por isso. Falando de como ele era machista porque sofria e como sofria porque era machista e como é grato por ter conhecido o feminismo e *se* libertado disso tudo. Sem nunca considerar o ponto de vista das mulheres a quem agrediu. Sem nem mencionar esse aspecto, como se fosse algo insignificante.<br />Mas não é só o tom de "olha como eu sou bacana por não explorar *mais* outras pessoas". É falar como se a sua viagem de ayahuasca equivalesse à vivência de uma empregada doméstica. É precisar usar um alucinógeno para conseguir imaginar o que é essa vivência. É precisar ser a pessoa que lava as roupas para se tocar que não é legal colocar roupa limpa para lavar. É chamar a sua empregada doméstica (que é o nome da profissão) de "ajudante". É usar um eufemismo para a exploração que você exerceu por tanto tempo. Não era "ajuda". Não era voluntário. Uma empregada doméstica não é empregada doméstica porque quer, porque é amiga da patroa. Ela é empregada doméstica porque precisa daquele emprego. “Esquecer” e eufemizar esse detalhe é um privilégio da patroa. Seu, portanto.<br />Além disso, não faz sentido usar a palavra empoderamento para falar de assumir para si uma responsabilidade que já é sua, numa relação onde você já tem todo o poder. Me lembra um cara que falou que teve que se empoderar para não bater nes filhes, porque havia toda uma pressão, dentro e fora dele, para que ele fizesse isso. Mas não é empoderamento quando o poder sempre foi seu - é só uma questão de vontade. Não é empoderamento você lutar contra o seu condicionamento a manter-se em seu privilégio, por mais árdua que seja essa luta. É o mínimo. É a obrigação de qualquer pessoa.<br />Outra coisa, colocar sua viagem alucinogênica, sua preocupação com o meio ambiente e sua necessidade financeira como primordiais para a sua mudança, sem elaborar qualquer critica mais profunda a esse respeito, deu uma roupagem liberal (“faço porque é do meu interesse”) ao seu texto. Na linha da “paquita namastê gratidão” - uma espécie de Marie Antoinette bicho-grilo, incapaz de sair da própria realidade e empatizar com pessoas que não vivam nela. “Liberte-se da sua empregada! O planeta - e o seu bolso - agradecem!”<br />(continua)Letícia Penteadohttps://www.blogger.com/profile/06749449143074643586noreply@blogger.com